Adequação |
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A adequação do cuidado apoia-se na capacidade do sistema para identificar quais as intervenções em saúde que produzem benefícios aos pacientes. A conceituação da adequação do cuidado considera a disponibilidade de serviços segundo as necessidades da população (Vuori, 1991; Noronha, 2004), definidas em termos de quantidade, distribuição espacial e emprego das melhores práticas (AIHW, 2008). A adequação pode também abranger o conceito de qualidade do cuidado, ou seja, o grau com que os serviços de saúde para indivíduos e populações aumenta a probabilidade de obter resultados de saúde esperados e consistentes com o conhecimento profissional atual (Chassin, 1998; Kelley & Hurst, 2006; Smith et al., 2008). Para Aday et al. (2004), a adequação é um componente da qualidade e refere-se à extensão em que o conhecimento e as técnicas são empregadas corretamente, ou não, no gerenciamento da doença e da saúde. Na mesma vertente, Smith et al. (2008) propõem que a análise da adequação do cuidado à saúde considere se foram empregadas as melhores práticas, bem como se essas ações estão baseadas em conhecimentos tecnológicos bem fundamentados. Berg, Ter Meulen e Van der Burg (2001) destacam a necessidade de considerar questões éticas na definição de adequação do cuidado. Isto implica que, tendo em vista que os recursos são finitos, devem ser levadas em conta questões de custo e efetividade. Ao mesmo tempo, as decisões devem ser baseadas na solidariedade social, no processo de identificação das práticas mais adequadas em uma determinada sociedade. Tradicionalmente, um procedimento, ou uma intervenção, é considerado adequado quando os benefícios esperados – por exemplo, o aumento da expectativa de vida, a atenuação da dor, ou a melhoria da capacidade funcional – excedem as consequências negativas por uma margem suficientemente ampla que torna válida a realização do procedimento (Sharpe & Faden, 1996). De acordo com Kazandjian & Stemberg (1995), a avaliação da adequação de um procedimento, ou serviço, pode seguir duas abordagens, a saber: um julgamento singular e absoluto, que considera unicamente a efetividade; e outro julgamento, cuja avaliação associa a efetividade ao custo. Na visão de Lavis & Anderson (1996), no caso de um procedimento ser inapropriado para um determinado tipo de paciente, ele não deve ser provido em nenhum contexto, pois não é esperado que ofereça benefícios a outros pacientes do mesmo tipo, e, desse modo, o procedimento não é necessário. Por outro lado, quando o contexto for inapropriado, o cuidado deve ser provido em um cenário alternativo, com um custo menor. A primeira situação baseia-se em julgamentos relativos à escolha de procedimentos e aos resultados obtidos em determinados pacientes, enquanto que a segunda leva em conta se as características dos pacientes e os procedimentos requeridos para o seu cuidado são compatíveis com o contexto onde tal cuidado ocorre. A identificação de um contexto como inapropriado depende da disponibilidade de contextos alternativos menos onerosos. Neste particular, Hicks (1994) pondera que, apesar da maioria das definições comumente utilizadas suporem que o interesse resida mais na melhoria da qualidade do cuidado do que na redução dos custos do cuidado, a exclusão dos custos financeiros da avaliação da adequação do cuidado é menos provável, particularmente nos casos em que houver limitações financeiras do sistema de saúde. Todavia, na perspectiva adotada pelo PROADESS, a adequação é focalizada como uma dimensão em si. Neste sentido, a adequação é tratada sem levar em conta os custos dos procedimentos, pois considera-se que relação entre o custo e a produção de serviços de qualidade diz respeito à subdimensão de eficiência. Os indicadores empregados para avaliação de processos clínicos nos serviços de saúde distinguem-se de outros indicadores por serem mais específicos a uma determinada circunstância (p.ex. vacinação de mulheres grávidas), por possuírem critérios de inclusão e exclusão explícitos acerca das pessoas-alvo dos procedimentos (p.ex. gestantes que não receberam o esquema completo de vacinação antitetânica), e pelo requisito de que sua seleção esteja apoiada em evidências bem estabelecidas na literatura científica (McGlynn, 2009). Dentre os métodos para avaliar a adequação de um procedimento clínico, a revisão por painel multidisciplinar de profissionais médicos é a mais utilizada. No modelo RAND-UCLA, o grupo de profissionais avalia independentemente um conjunto de cenários, através do emprego de uma escala de adequação de nove pontos. Tal pontuação é revista, após discussão em grupo, nas áreas onde tenha havido desacordo na primeira avaliação. Este método leva em conta a existência de revisões sistemáticas bem documentadas, os riscos e benefícios identificados pelos painelistas, a magnitude dos efeitos da intervenção, a existência de outros procedimentos aplicáveis às condições em estudo, o ponto de vista do paciente e a confiança de que um desfecho específico será alcançado. Como pode ser notado, a inclusão do ponto vista do paciente remete ao conceito de aceitabilidade. De acordo com Sharpe & Faden (1996), a recomendação de um procedimento estaria baseada em pelo menos quatro fatores: o perfil clínico do paciente; as habilidades do médico e de sua equipe; a qualidade da evidência que apoia um procedimento; e a razão benefícios/danos clínicos, entendida em termos de evidência empírica disponível acerca da eficiência e da efetividade do procedimento. Para esses autores, essas evidências são relevantes quando um procedimento é consistente com a apresentação clínica do paciente, quando o profissional e a equipe possuem as habilitações para sua realização, e quando esta é aceita livremente pelo paciente. Em contraposição à tendência de considerar a adequação em termos estritamente de evidência clínica, alguns autores assinalam que a avaliação inerente à adequação tem espectro mais amplo, compreendendo os valores da ciência, da medicina, dos indivíduos e da sociedade. Como ressalta Naylor (1998), o cuidado apropriado depende do profissional consultado, dos locais de moradia e trabalho, do peso conferido aos diferentes tipos de evidências e desfechos, da consideração, ou não, das preferências dos pacientes e seus familiares, dos recursos disponíveis em um determinado sistema de saúde, e dos valores prevalentes no sistema e na sociedade em o cuidado é provido. Desse modo, a determinação da adequação de um procedimento não deve ser entendida simplesmente, ou mesmo primariamente, como um problema evidenciário, mas, ao invés disso, como um problema de avaliação de valores que inclua os pontos de vista clínicos e as perspectivas tanto do paciente como da sociedade. Para Long & Harrison (1985), é necessário que a sintonia entre os serviços, o conhecimento e as tecnologias disponíveis seja modelada de acordo com os princípios éticos e as restrições dadas pelos recursos humanos, financeiros e de equipamentos disponíveis. De maneira análoga, além do custo e da efetividade, Berg (2001) considera importante a inclusão de aspectos éticos dentre os critérios de conceituação da adequação, e, neste sentido, destaca a solidariedade e a distribuição justa de recursos escassos, bem como a satisfação do paciente. Embora a definição de adequação apresente maior variação conceitual quando comparado às outras subdimensões de desempenho dos serviços de saúde, e muito frequentemente seja apresentada como parte da efetividade (Kelley & Hurst (2006), a revisão sistemática da literatura contida em Klassen et al. (2010) mostra que 40% dos modelos teóricos de avaliação de desempenho incluem a adequação no nível de sistema de saúde, definido como um conjunto de organizações/instituições. Segundo esses autores, a adequação estaria incluída no grupo dos indicadores de provisão de serviços e, com base em evidências e padrões, representaria o melhor ajuste dos serviços com as necessidades dos clientes. No Canadá, o CHI define adequação como o cuidado, a intervenção, e a ação relevantes para as necessidades do cliente, tendo por base os padrões estabelecidos. Para o AIHW, na Austrália, a adequação refere-se à adoção da melhor prática no cuidado à saúde. Nessa mesma vertente, o conceito de adequação adotado pela JCAHO (1993) considera o grau de relevância de uma intervenção ou cuidado prestado para as necessidades clínicas dos pacientes, dados o conhecimento existente e o uso de práticas baseadas em conhecimentos técnicos bem fundamentados. No âmbito do PROADESS, esse foi considerado um conceito mais objetivo e mais específico, no sentido que estaria referido a aspectos técnico-científicos do cuidado que não estão cobertos pelas outras dimensões de desempenho. Assim, o PROADESS define a adequação como o grau com que os cuidados prestados às pessoas estão baseados nos conhecimentos técnico-científicos bem fundamentados existentes. Referências:
- Vuori H (1991) A qualidade da Saúde. Divulgação em Saúde para Debate, 3:17-25.
Fontes:UK/DH/ 2001; AIHW 2002; CIHI 2002; Brasil/MS 2003. |