Segurança do paciente 

Segurança do paciente é, atualmente, uma das questões relacionadas a qualidade do cuidado mais discutidas (Dixon-Woods & Pronovost, 2016). O amplo destaque ao tema adveio com a publicação do relatório ?Errar é humano [To Err is Human]?, pelo Instituto de Medicina dos EUA em 1999 (Kohn, 2000; Leape, 2008). Esse relatório apontou a gravidade do problema face as altas taxas de erros no cuidado em saúde comparativamente a outras indústrias (Kohn, 2000). Apesar do debate suscitado (Shojania & Dixon-Woods, 2016), as estimativas produzidas indicaram, entre outras, uma mortalidade devido à eventos adversos ocorridos durante o cuidado em saúde maior que aquelas decorrentes de câncer de mama ou AIDS. Vale destacar que evento adverso é um incidente que causou danos ao paciente (Runciman et al, 2009). O impacto da publicação deste relatório ecoou entre os profissionais de saúde, na academia e no público em geral, ultrapassando as fronteiras dos EUA. Isto porque os eventos adversos incorrem em importantes custos sociais e econômicos, podendo implicar em danos irreversíveis aos pacientes e suas famílias, constituindo um sério problema de saúde pública (Brown et al, 2008).

Assim, como consequência de estudos em diversos países (Zegers et al, 2009) e de iniciativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), o problema da segurança do paciente ocupa a agenda internacional. O programa da OMS voltado para a segurança do paciente (WHO Patient Safety, http://www.who.int/patientsafety/en/) foi responsável por diversas iniciativas no campo educacional, na pesquisa, no desenvolvimento de taxonomia especifica1 e ferramentas, na difusão de soluções (protocolos) para evitar o dano ao paciente e no lançamento de amplas campanhas, tais como a de Higienização das mãos e ?Cirurgia segura salva vidas? (Runciman et al, 2009; Brown et al, 2008; Travassos & Caldas, 2013)

A OMS define a segurança do paciente como ?a redução, a um mínimo aceitável, do risco de um dano desnecessário associado ao cuidado de saúde? (Runciman et al, 2009). Definições semelhantes foram adotadas por outros países. De acordo com o Australian Institute of Health and Welfare (AIHW), na Austrália, a segurança do sistema de saúde refere-se ao ato de evitar, ou reduzir para limites aceitáveis, o dano real e/ou potencial relacionado ao cuidado de saúde prestado ou ao ambiente no qual esse cuidado é ofertado. Posteriormente, a Comissão Australiana para Segurança e Qualidade na Atenção à Saúde [Australian Commission for Safety and Quality in Health Care] definiu segurança como o grau no qual o risco potencial e os resultados indesejáveis são evitados ou minimizados. Para o Canadian Institute for Health Information (CIHI), no Canadá, segurança é receber o cuidado mais seguro possível toda vez que uma pessoa usa o sistema de saúde. Na mesma linha desses conceitos, no PROADESS, a segurança é definida como a capacidade do sistema de saúde de identificar, evitar ou minimizar os potenciais riscos e resultados indesejáveis associados ao cuidado e as intervenções em saúde.

Ao longo dos últimos 15 anos, diversos países e organizações de saúde promoveram inúmeras iniciativas voltadas para garantir a segurança do paciente e o cuidado de saúde mais seguro, sobre as quais foram investidos tempo, recursos humanos e financeiros. Nesse esforço, foram propostos indicadores de monitoramento (Gouvêa & Travassos, 2010) e ações voltadas para redução da ocorrência de eventos adversos (Shekelle et al, 2013). Inicialmente com foco sobre a assistência hospitalar, no presente momento a pesquisa em todo mundo busca conhecer a segurança do paciente no contexto da atenção primária em saúde. A falta ou a pouca coordenação da assistência farmacêutica parece ser um dos maiores problemas de segurança nesse nível de atenção no mundo (Marchon & Mendes, 2014) e no Brasil (Marchon et al, 2015). Considerando o contexto brasileiro, a redução de eventos adversos no âmbito hospitalar se debruçaria sobre uma incidência de 7,6%, dos quais 67% foram avaliados como evitáveis (Mendes et al, 2009).

Na esfera de gestão, em 2013, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (Portaria nº 529), cujos principais alvos foram: criação de Núcleos de Segurança do Paciente nos hospitais; envolver os pacientes e familiares nas ações de segurança do paciente; ampliar o acesso da sociedade às informações relativas à segurança do paciente; produzir, sistematizar e difundir conhecimentos sobre segurança do paciente; fomentar a inclusão do tema segurança do paciente na formação de RH (ensino técnico, graduação e pós-graduação) na área da saúde; e elaborar e apoiar à implementação de protocolos (nas áreas: cirurgia segura, ulcera por pressão, higienização das mãos, identificação do paciente, medicação segura e queda), guias e manuais de segurança do paciente (Brasil, 2014)

Indicadores de desempenho referentes à subdimensão Segurança

Indicadores de desempenho referentes à sub-dimensão: Segurança.

Indicador

Fonte

Sepse intra-hospitalar (In-Hospital Sepsis)

Trauma obstétrico (com instrumento)

Medicação potencialmente inadequadas prescrita a idosos

Ulcera de pressão no cuidado de longa permanência

Queda nos últimos 30 dias em cuidado de longa permanência (crônico)

CIHI, Canadá1

Trauma obstétrico pós-parto normal com e sem instrumento

Corpo estranho deixado durante procedimento/cirurgia

Embolia pulmonar ou trombose de veia profunda pós cirurgia

Sepse pós cirurgia

Infecção associada a cateter venoso central

Punção ou laceração acidental

OCDE2

Complicações de transfusão

Infecção associada ao cuidado adquirida no hospital

Bacteremia por Staphylococcus aureus (including MRSA) hospitalar

Evento adverso a medicamento hospitalar

Complicações de anestesia

Razão de mortalidade hospitalar padronizada

Trauma obstétrico

Hemorragia pós cirurgia

AIHW, Australia3

Corpo estranho deixado durante procedimento

Taxa de pneumotórax iatrogênico

Taxa de infecção associada a cateter venoso central

Taxa de deiscência de ferida cirúrgica

Taxa de laceração ou punção acidental

Reação transfusional

Hemorragia ou hematoma pós cirúrgica

AHRQ, EUA

Nível área4

Indicadores de Gineco-obstetrícia

Indicadores de Prevenção e Controle de Infecção

Indicadores Clínicos

Indicadores de Unidades de Terapia Intensiva de Adultos

Indicadores de Anestesia e Cirurgia

Indicadores de Medicamentos

Proqualis5

Fontes:AIHW 2002; CIHI 2002; US/DHHS 2000


 

[1] A taxa de internações pode superestimar a incidência de fraturas de fêmur na medida que alguns casos podem representar readmissões ou transferências entre serviços.

 

Referencia:

- Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria MS/GM nº 529, de 1 de abril de 2013. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0529_01_04_2013.html.
- Brasil. Ministério da Saúde. Documento de referência para o Programa Nacional de Segurança do Paciente / Ministério da Saúde; Fundação Oswaldo Cruz; Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/documento_referencia_programa_nacional_seguranca.pdf
- Brown, C; Hofer, T; Johal, A; Thomson, R; Nicholl, J; Franklin, BD; Lilford, RJ. An epistemology of patient safety research: a framework for study design and interpretation. Part 1. Conceptualizing and developing interventions. Qual Saf Health Care 2008; 17(3): 158-62.
- Dixon-Woods M, Pronovost PJ Patient safety and the problem of many hands BMJ Qual Saf 2016. doi: 10.1136/bmjqs-2016-005232.
- Gouvêa, C; Travassos, C. Indicadores de segurança do paciente para hospitais de pacientes agudos: revisão sistemática. Cad. Saúde Pública 2010; 26(6): 1061-1078.
- Kohn, LT; Corrigan, JM; Donaldson, MS (eds). To err is human - building a safer health system. Institute of Medicine, Washington DC: National Academy Press, 2000.
- Leape, L. Scope of problem and history of patient safety. Obstet Ginecol Clin N Am. 2008; 35(1):1-10.
- >Marchon,S; Mendes W. Segurança do paciente na atenção primária à saúde: revisão sistemática. Cad. Saúde Pública 2014; 30(9):1-21.
- Marchon, S; Mendes, W; Pavão, A. Características dos eventos adversos na atenção primária no Brasil. Cad. Saúde Pública 2015; 31(11):2313-2330.
- Mendes,W; Martins, M; Rozenfeld, S; Travassos, C. The assessment of adverse events in hospitals in Brazil.Int J Qual Health Care 2009; 21(4): 279-284.
- Runciman, W; Hibbert, P; Thomson, R; Van Der Schaaf, T; Sherman, H; Lewall, P. Towards an international classification for patient safety: key concepts and terms. Int J Qual Health Care 2009; 21(1): 18-20.
- Shojania KG, Dixon-Woods M. Estimating deaths due to medical error: the ongoing controversy and why it matters. BMJ Qual Saf 2016. doi: 10.1136/bmjqs-2016-006144.
- Shekelle, P; Pronovost, P; Wachter, R; McDonald, K; Schoelles, K; Dy, S et al. The Top Patient Safety Strategies That Can Be Encouraged for Adoption Now. Annals of Internal Medicine 2013; 158 (5_Part_2): 365-368.
- Travassos, C; Caldas, B. Capítulo 1 - Qualidade do cuidado em saúde e segurança do paciente: histórico e conceitos. Em: ANVISA, Assistência Segura: uma reflexão teórica aplicada à prática. Série Segurança do paciente e qualidade em serviços de saúde, Brasília, 2013, pp. 19-27.
- Zegers, M; Bruijne, M; Wagner, C; Hoonhout, L; Waaijman, R. Adverse events and potentially preventable deaths in Dutch hospitals: results of a retrospective patient record review study. Qual. Saf. Health Care 2009; 18(4): 297-302.
- A OMS publica, em 2009, a Classificação Internacional de Segurança do Paciente (International Classification for Patient Safety - ICPS) (Runciman et al. 2009). Os principais conceitos da ICPS e suas definições foram traduzidas para o português pelo Centro Colaborador para a Qualidade do Cuidado e a Segurança do Paciente (Proqualis), em 2010 (www.proqualis.net).
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