Financiamento 

Como foi mencionado anteriormente, a dimensão “estrutura do sistema de saúde”, que inclui o “financiamento”, foi uma dimensão da avaliação do desempenho introduzida nesta proposta e também está sinalizada nas recomendações da OPS, mas não é uma dimensão explorada pelos modelos canadense, australiano e inglês. A exceção é o modelo canadense, que incorpora exclusivamente indicadores relacionados com: gastos totais  em saúde, gastos per capita, gasto como percentual do PBI, e gastos do setor público como percentagem do gasto total.

Entretanto, entendemos que as características do financiamento do sistema traduzem financeiramente as políticas de saúde implementadas e devem ser levadas em conta para  uma melhor avaliação do desempenho dos serviços de saúde.

Assim, assumimos que a análise do financiamento do setor saúde envolve 3  macro-questões: (i) a do Nível de Gasto em Saúde executado por cada sociedade, (ii) a do modelo de Captação de Recursos destinados ao setor e, finalmente, (iii) a do sistema de Alocação de Recursos no âmbito do sistema de saúde.

A primeira, o Nível de Gasto em Saúde, diz respeito à importância atribuída à promoção, prevenção e recuperação da saúde por uma determinada sociedade, o qual tem um impacto sobre o próprio sistema de saúde.

A segunda, referente ao modelo de Captação de Recursos, informa acerca da composição das fontes de financiamento do sistema (público x privado; públicas: tributos diretos x indiretos) e, ainda, acerca da distribuição do ônus do financiamento entre classes de renda, permitindo a análise do financiamento do setor saúde desde a perspectiva da eqüidade vertical.

Finalmente, o sistema de Alocação de recursos possibilita analisar a distribuição regional do gasto público em saúde vis-à-vis a distribuição das necessidades de saúde e, ainda, permite analisar as prioridades atribuídas aos diferentes tipos de ações (promoção, prevenção e recuperação) de saúde e, ainda, aos distintos programas executados.

1.      Gasto em Saúde

No quadro abaixo figuram indicadores relativos a esta macro-questão. Note-se que, além dos indicadores da RIPSA, e considerando que no caso brasileiro o financiamento público é responsabilidades das três esferas de governo, consideramos importante incluir indicadores do gasto em saúde dos governos estaduais e municipais.

Por outro lado, em função da importância do gasto privado em relação ao gasto total em saúde (estimado pelo IPEA em aproximadamente 50% do gasto total em saúde), foram incorporados indicadores que possibilitariam conhecer sua participação e composição: gasto privado como percentagem do gasto nacional com saúde, gastos com planos e seguros de saúde e gasto direto “do bolso”.

 

2.      Modelo de Captação de Recursos para o financiamento setorial

A OMS, no WHR-2000, adota o conceito de eqüidade horizontal, através do qual um sistema justo é aquele no qual todos os indivíduos exibem a mesma relação gasto em saúde / renda disponível. Portanto, na acepção do modelo proposto pela OMS, um sistema, no qual os mais ricos aportem proporcionalmente mais do que os mais pobres para o financiamento setorial,  é injusto.  

Diferentemente dessa concepção, propomos analisar o modelo de captação de recursos a partir da acepção de Eqüidade Vertical, mediante a qual assume-se que, em esquemas solidários de financiamento setorial, este último exerce um impacto redistributivo na renda. O índice de Kwakwani, que mede a diferença entre a curva de concentração da renda e a curva de concentração da “renda pós-financiamento do sistema de saúde” (renda familiar – gasto privado – pagamento de tributos que financiam o sistema público de saúde), é um indicador ilustrativo do impacto do financiamento setorial sobre a distribuição da renda. (Wagstaff, 2001). Esta é a proposta que assumimos para a análise da eqüidade na captação de recursos destinados ao sistema de saúde (considerando impostos e contribuições sociais que financiam o setor público do sistema de saúde e, ainda, o gasto privado em serviços e planos de saúde e medicamentos, dentre outros), tendo em vista que ela possibilita conhecer a distribuição do ônus do financiamento por classe de renda e, portanto, o impacto do financiamento setorial sobre a distribuição da renda.

 

3.      Sistema de alocação de recursos no âmbito do sistema de saúde

O principal objetivo do grupo de indicadores desta macro-questão diz respeito ao grau de eqüidade na alocação geográfica dos recursos. Esses indicadores têm especial relevância no caso brasileiro dadas as reconhecidas desigualdades existentes no país.

O indicador proposto para avaliar o grau de equidade na alocação geográfica é “Porcentagem de unidades geográficas que recebem recursos SUS federais per capita equivalentes aos valores per capita estimados em função das necessidades de saúde”. Nesse sentido, cabem alguns comentários em relação às estimativas para determinar os valores per capita em função das necessidades de saúde. Partindo das experiências internacionais (Rice & Smith, 1999) foi possível verificar que toda alocação eqüitativa entre unidades geográficas deve ser realizada a partir de sucessivos ajustes da base populacional levando em conta o perfil demográfico, as desigualdades entre os custos dos tratamentos requeridos por cada segmento populacional e as desigualdades entre as necessidades de saúde. Também se identificou a existência de diferentes propostas metodológicas para estimar necessidades relativas de saúde. Algumas bastante simples como a formula RAWP, que estima as necessidades relativas a partir de um único indicador epidemiológico, foi utilizada na Inglaterra de 1976 a 1994. Outras de maior nível de complexidade, como o método que vem sendo desenvolvido e adotado na Inglaterra desde 1996, que estima as necessidades a partir de um modelo de utilização de serviços de saúde.

Cabe destacar, que também existem propostas desenvolvidas no Brasil que estimam necessidades de saúde a partir de um conjunto de variáveis epidemiológicas e sócio-econômicas, criando, através procedimentos de análise estatística multivariada, um índice composto de necessidades relativas (Porto et al. 2001).

Para monitoramento da alocação dos recursos financeiros a partir das necessidades no caso brasileiro, ao menos inicialmente, seria recomendável utilizar, para estimativa das necessidades relativas de saúde, usar a fórmula RAWP. Esta escolha justifica-se por dois motivos: 1- a simplicidade na sua aplicabilidade, 2- por entender que se essa metodologia permitiu estimar desigualdades entre as necessidades relativas de saúde em um país onde as desigualdades são significativamente menores, certamente daria conta de avaliar as necessidades no caso brasileiro.

Quadro 8.9 – Possíveis Indicadores de Financiamento sugeridos pelo projeto 

Indicadores de Financiamento

Fonte

Gastos em saúde em dólares correntes, gastos per capita, percentual do PBI, gastos do setor público como percentagem do gasto total.

Canadá

Gasto nacional com saúde, como percentual do produto interno bruto (PIB)

Proadess

Gasto nacional per capita com saúde

Gasto público com saúde, como proporção do PIB

Gasto público per capita com saúde

Taxa de crescimento anual do gasto público em saúde

Gasto federal com saúde, como proporção do PIB

Gasto federal com saúde, como proporção do gasto federal total

Gasto federal per capita com saúde

Gasto público federal como percentagem do gasto público com saúde

Gasto público estadual como percentagem do gasto público com saúde

Gasto público municipal como percentagem do gasto público com saúde

Gasto público com saúde como percentagem do gasto nacional com saúde

Gasto privado como percentagem do gasto nacional com saúde

Gastos com fármacos como percentagem do gasto nacional com saúde

Gasto com planos e seguros de saúde como percentagem do gasto privado

Gasto direto “do bolso” com saúde como percentagem do gasto privado

Despesa familiar com saúde, como proporção da renda familiar

Despesa familiar com fármacos como proporção da renda familiar

Gasto (SUS) com internações hospitalares como percentagem do gasto SUS

Gasto (SUS) com atenção ambulatorial como percentagem do gasto SUS

Gasto médio (SUS) por atendimento ambulatorial

Gasto médio (SUS) por internação hospitalar

Gasto público com saneamento, como proporção do PIB

Gasto federal com saneamento, como proporção do gasto federal total

Distribuição do ônus do financiamento do sistema de saúde segundo classes de renda

Participação percentual dos tributos diretos no financiamento do SUS

Participação percentual dos tributos indiretos no financiamento do SUS

Porcentagem de unidades geográficas que recebem  recursos SUS federais  per capita  equivalentes aos valores per capita estimados em função das necessidades de saúde

Fonte: CIHI 2003